Verba reduzida prejudica fiscalização de políticas de inclusão, diz coordenador do Comdef

Confira a segunda parte da entrevista!

Publicado em 06/12/2017 - 12:00
Verba reduzida prejudica fiscalização de políticas de inclusão, diz coordenador do Comdef

O Observatório Cidadão conversou com Francisco Nuncio Cerignoni, coordenador do Conselho Municipal de Proteção, Direitos e Desenvolvimento da Pessoa com Deficiência (Comdef), que, nesta segunda edição de nossa série de entrevistas, abordou temas como participação e transparência pública. “O Comdef ainda é pouco reconhecido pelo poder público”, afirmou. Leia entrevista na íntegra abaixo:

O Comdef tem entre seus pilares a elaboração, implantação e fiscalização de políticas públicas de inclusão e acessibilidade. Como o senhor avalia o andamento dessas ações?

Com relação à elaboração de políticas, podemos dizer que avançamos. Desde que o conselho foi constituído, temos iniciativas nas áreas de saúde, educação, cultura, esporte e lazer, habitação, trabalho e renda. Tudo isso, logicamente, ocorre em parceria com os governos estadual e federal, nunca sozinhos. As áreas mais autônomas são as de esporte e lazer e de cultura. Temos diversas políticas públicas implantadas, algumas delas ainda necessitam de aprofundamentos.

Quais? Pode citar exemplos?

A residência inclusiva, que é uma política pública para acolher as pessoas com deficiência que não têm onde morar, não existe ainda em Piracicaba. Há também o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Nem todas as iniciativas são tão efetivas. A cidade não tem uma rede de atenção na área de saúde, voltada às pessoas com deficiência, por exemplo.

O Ministério da Saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelece que haja uma rede de cuidados da pessoa com deficiência, que prevê desde a acessibilidade nos postos de saúde até a conformação de dois centros de reabilitação com abrangência de todas as especialidades. Nós tentamos implantá-la em Piracicaba, mas até agora não conseguimos.

Atualmente, temos o Centro de Reabilitação - Piracicaba, uma entidade filantrópica que tem convênio com os órgãos públicos, mas atende usuários até os 18 anos. As pessoas que precisam de reabilitação ou manutenção depois dessa idade, ficam sem serviço nenhum. São políticas que ainda precisam ser implementadas. Fizemos um plano de ação para constituir essa rede bem organizada e estavam previstos recursos do governo federal, por meio do programa “Viver sem limites”. Com a crise, uma série de recursos foi cortada. Esse foi um deles.

A que o senhor atribui essas dificuldades?

O nosso próprio setor tem dificuldade de se mobilizar para exigir a conclusão dessas iniciativas. É mais difícil mobilizar pessoas com deficiência do que outras. Por exemplo, para fazer essa entrevista, vocês precisaram vir até mim. Nós, que usamos cadeiras de rodas, os cegos, os surdos, temos muita dificuldade para nos mobilizarmos, aqui em Piracicaba e em outros municípios também. Quando há sessões na Câmara, é mais difícil reunir um número relevante de pessoas para questionar o poder público. Acho que uma das dificuldades é essa, falta de pressão nos órgãos públicos que decidem.

Qual é a relação com o poder público? Existe consulta e participação da população, representada pelos conselheiros do Comdef e representantes de bairros, na hora de planejar e executar obras, políticas e outras iniciativas?

O Comdef, como todos os outros conselhos de Piracicaba - não é só o nosso – ainda é muito pouco reconhecido pelo poder público como uma linha auxiliar de atuação. Não sei se fruto de questionamentos passados, mas ele é visto mais como um órgão de confronto. E não somos. Somos um órgão de cooperação inicialmente. É lógico que, no limite, se houver um confronto, vamos nos posicionar.

“Uma administração só tem sucesso se tiver a participação da comunidade nos processos político-administrativos”.

O fato de os conselheiros do Comdef não serem consultados é recorrente nas gestões públicas de Piracicaba?

Parece-me certa filosofia das últimas administrações municipais evitar a participação de todos os setores, não só os das pessoas com deficiência. Percebe-se que durante esse tempo houve redução, por exemplo, dos recursos disponíveis para os conselhos. Em uma das últimas audiências públicas a respeito da Lei Orçamentária Anual (LOA), foi mencionado um levantamento que anos atrás eram m R$ 300 mil, passou para R$190 e, agora, R$ 30 mil, explicitamente. Se você imaginar que em relação ao Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, a Câmara não aprovou nenhuma emenda, de nenhum vereador, apesar da população ter colocado suas demandas em mais de mil sugestões apontadas em consulta pública. O Prefeito definiu dentro da campanha dele é aquilo que foi colocado, não houve nenhuma mudança ou aprimoramento depois, em quatro anos. Isso é muito esquisito. Já fui secretário municipal e sei que, depois de feito um planejamento inicial, ele se altera durante a gestão, a partir das necessidades sociais da cidade.

Qual é o papel do Fórum Permanente dos Conselhos do Município, o Fopec?

Primeiramente, o Fopec deveria ser uma espécie de unificador dos Conselhos da cidade, no sentido de encaminhar pautas comuns e de alcance mais geral. Por exemplo, as questões do orçamento, de mobilidade, que envolvem a todos. Assim, o Fórum poderá se fortalecer e, depois disso, se tornar um auxiliar de cada conselho no controle das políticas públicas municipais, de fato.

A verba destinada ao apoio aos conselhos é suficiente e atende às demandas do setor?

Para a manutenção dos conselhos, são destinados R$ 30 mil. Há outros recursos que são direcionados, mas para a manutenção deles, esse é o valor. Existe ainda a Casa dos Conselhos, que reúne todos os conselhos ligados a Secretaria de Desenvolvimento Social (Semdes).  A ideia era que a Casa abrangesse todos os conselhos, mas para isso ela teria que ser maior. Os seis conselhos da Semdes são razoavelmente bem servidos e, o da Secretaria de Saúde, tem verba própria. Nós ainda conseguimos nos manter melhor. Os que estão ligados a Secretaria de Governo não têm lugar fixo, vivem com pouca estrutura.

O senhor acredita que essa verba reduzida também é responsável, de certa maneira, por dificultar a implantação e fiscalização de políticas públicas?

Sim, lógico, porque para acompanharmos e darmos parecer prévio às políticas públicas implementadas em Piracicaba, como está escrito nas atribuições fundamentais de nosso conselho, precisamos de estrutura. Muitas coisas erradas que acontecem na cidade teriam sido amenizadas ou mais bem feitas se o conselho tivesse sido ouvido antes.

Um dos pilares do Observatório Cidadão é a transparência. Como o senhor avalia a atuação do Executivo e Legislativo?

A noção de transparência, para mim, é um pouco diferente. Vai além de expor números, dados, despesas e receitas. Significa buscar a participação da comunidade, fazer assembleias, expor situações, saber quais são as prioridades dos bairros nas áreas da saúde, habitação, saneamento e educação, por exemplo, discutir com os moradores as demandas e a melhor forma de atendê-las. Uma administração só tem sucesso se tiver a participação da comunidade nos processos político-administrativos. Hoje, se fala em orçamento participativo. Quando trabalhei na gestão municipal, na década de 80, na Secretaria do Bem-Estar Social, não havia previsão orçamentária, por exemplo. Os recursos eram destinados conforme a necessidade da população.

 “Queremos ser incluídos, sem acessibilidade não há inclusão, sem inclusão não há cidadania”.

Piracicaba recebeu a Caravana da Inclusão, Acessibilidade e Cidadania no dia 10 de novembro deste ano. Como foi o evento? Em que medida órgãos como o MP e a Defensoria podem colaborar efetivamente para a defesa das causas da pessoa com deficiência?

É um evento importante porque mobiliza os participantes para a discussão de sistemas com pessoas com deficiência. Inclusão, Acessibilidade e Cidadania andam juntas, sem uma não há a outra. Se queremos incluir as pessoas com deficiência, temos que facilitar a participação e ouvir a opinião delas. Temos uma frase que diz: “Nada sobre nós, sem nós”. Queremos participar de tudo o que diz respeito a nós, queremos ser incluídos, sem acessibilidade não há inclusão, sem inclusão não há cidadania. Em um dos dias do evento, conversamos com alunos do ensino médio. A presença dos jovens é importante porque, se tem algo que me preocupa muito, é a sucessão, quem vai continuar a militância pela causa.

A participação do público no evento foi pequena, a divulgação, efetivamente, ocorreu nos últimos 15 dias antes da realização do evento, então a resposta também foi menor do que esperávamos. Quanto ao Ministério Público (MP) e à Defensoria, foi muito bom ter a participação de representantes desses órgãos porque os descobrimos como ferramentas extremamente potentes para nós. Fomos orientados pelo MP, por exemplo, a registrar provas de infrações ou desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência.

 

Resposta da Prefeitura: O Ministério da Saúde, devido a problemas políticos financeiros do país, interrompeu os projetos que haviam sido aprovados pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB),  em 17/09/2015. Agora, está retomando a implantação dos mesmos e dando novas prioridades. Dentro da RASS 14, o primeiro que será implantado é o de Pirassununga e o segundo, do Centro de Reabilitação de Piracicaba, com oficina ortopédica. Mas não temos ainda datas e prazos para sua efetivação. Sobre a verba destinada ao Comdef: O Plano Plurianual (PPA) inclui duas ações específicas para apoio dos conselhos, cujo valor se destina a despesas que os conselhos venham a apresentar no decorrer no ano, como pagamento de seminários, material educativo, etc. As despesas com a estrutura dos conselhos, como locação de imóveis para sede, pagamento de insumos, prestação de serviços de limpeza, telefonia, recepção, site, etc, são custeados pelas Ações das Secretarias e superam o valor de R$ 30 mil por ano. Há de se entender que a PMP passa por situação financeira que limita muitas despesas, vide o Decreto 16.436/2015 que dispõe sobre as medidas de redução e otimização de despesas e os Conselhos estão subordinados as regras também, como não poderia ser diferente.

 

 

 

 

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